Entrevista que dei à Revista VivaSaúde n. 159 (agosto/2016) para matéria sobre como as redes sociais podem influenciar negativamente no bem-estar. Ela é baseada em uma pesquisa que identificou níveis de inveja entre usuários que usavam a rede passivamente (http://psycnet.apa.org/psycinfo/2015-08049-001/).

Obs.: a pesquisa considerou como “uso passivo” a leitura das publicações em redes sociais sem a interação de “curtir”, “compartilhar”, “comentar”.

VS – O estudo em questão identificou que pessoas que eram passivas no facebook apresentavam prejuízos no seu bem-estar. Em sua opinião, por que isso acontece?

Grande parte das pessoas utiliza o Facebook para autopromoção, para fazer marketing de si mesmas. Elas postam fotos, vídeos e mensagens com a intenção de as tornarem mais atraentes e desejáveis. Os usuários não costumam compartilhar os problemas da sua vida nem publicam fotos em que se acham feias e infelizes. Suponho que o uso passivo do Facebook, ou seja, se manter na posição de observador dessas propagandas pode aumentar a insatisfação da pessoa em relação à própria vida, por acreditar que os outros são mais felizes. É uma atitude de comparação com a vida alheia que pode levar ao descontentamento com a própria vida.

 

VS – Quais sentimentos negativos o facebook pode provocar?

Além da insatisfação, esse modo “marketeiro” de atuar no Facebook pode nos levar a desenvolver orgulho quando, por exemplo, nos sentimos superior aos outros ou os desprezamos. Podemos também sentir medo de não conseguirmos ser felizes tanto quanto os outros. Pode surgir a inveja que é a incapacidade de alegrar-se com a felicidade alheia. Esse sentimento pode nos levar ao desejo de possuir o que pertence ao outro. “Eu queria que esse corpo, essa casa, esse companheiro fossem meus”. A partir disso, pode surgir a competitividade e a percepção de si como inferior.

 

VS – Como dá para lidar com a inveja ou transformar ela em algo saudável?

O que está por trás da inveja é o egocentrismo. “Eu quero para mim o que é do outro”. No início da infância, criamos essa atitude autocentrada na medida que desenvolvemos nosso ego, mas a aquisição de maturidade ao longo do desenvolvimento possibilita nos relacionar com as outras pessoas com uma atitude de empatia, de me colocar no lugar do outro. Uma postura empática, nesse caso, é exercitar o contentamento pela felicidade dos meus amigos do Facebook, assim consigo sair da inveja, gero alegria e planto boas sementes nas minhas amizades virtuais.

 

VS – Como as pessoas devem encarar o Facebook para terem uma vida mais agradável? Como deve ser seu uso visando o bem-estar?

As pessoas precisam ter consciência da sua intenção de usar o Facebook. Se na intenção estiver incutido o egocentrismo, a pessoa precisa saber que vai sofrer, porque se o egocentrismo trouxesse felicidade, a maioria dos usuários do Facebook seria feliz de fato. Precisamos pensar que a rede social nos possibilita estar conectados com os outros, e como fazer isso se estivermos apenas conectados consigo mesmos? Explico melhor. Pare para identificar se sua publicação contém o desejo de ser elogiado e de não ser criticado, o desejo de querer ganhar e não querer perder, querer prazer e não querer dor, querer ser reconhecido e não querer ser ignorado. Às vezes até um elogio que fazemos a outra pessoa pode ter por trás a intenção de ter aquilo que quero e evitar o que não quero. Quanto mais tentamos realizar esses desejos, mais sofremos porque alimentamos nosso egocentrismo e nos afastamos dos outros. Não nos prender a essas intenções nos ajuda a sair do autocentramento e ir ao encontro com o outro. Não vivemos sozinhos, vivemos na relação com os outros. As relações são alimentadas por trocas, então se estou ocupado apenas com os meus desejos, não consigo fazer boas trocas. Podemos alimentar nossas relações através do Facebook publicando conteúdos que contenham a intenção de proporcionar bem-estar para os outros e nos alegrando com a felicidade deles. Quando fazemos isso, os outros passam a nos valorizar e respeitar. Por consequência, as pessoas vão querer retribuir gentileza e colaboração conosco e com os demais.

 

VS – Além da inveja, quais outras emoções negativas o uso do facebook pode acarretar? Como você sugere lidar com cada uma delas?

Podemos dissolver nosso orgulho enxergando a realidade de que todos são iguais. Se acredito que sou melhor do que os outros, vou me deparar com situações em que me percebo que não sou melhor, e então facilmente caio na armadilha de sofrer por acreditar que sou menor.

Para lidar com nosso medo de ser infeliz, precisamos parar de perseguir a felicidade e enxergar que existe um potencial inato de felicidade em cada um. Dedique-se a regar suas relações proporcionando bem-estar aos outros e poderá encontrar felicidade nesse gesto.

 

VS – Vemos também muita intolerância nas redes sociais, especialmente política. As pessoas tendem a apenas colocar na sua timeline pessoas que postam coisas com pensamentos parecidos com os dela. Isso é saudável?

Quando procuramos dialogar apenas com pessoas que pensam a política de forma semelhante à nossa, estamos cultivando rigidez mental. Perdemos a oportunidade de descobrir novas perspectivas sobre esse assunto. Pode parecer mais confortável e seguro manter a mesma forma de pensar sobre questões políticas, porém, na verdade, podemos estar nos sentindo ameaçados pela verdade que é diferente da nossa. Esse sentimento de ameaça pode provocar raiva e briga por tentar impor a minha verdade. Então posso me tornar autoritário, uma postura que se aproxima mais do totalitarismo do que da democracia. No final das contas, estamos falando do medo da mudança. Se aceitarmos que tudo muda, inclusive os pensamentos sobre política, não precisaremos sentir medo de perder nossas verdades.

 

VS – Como fazer para prezar pela tolerância nas redes sociais?

Para praticar a tolerância nas redes sociais, precisamos deixar de falar mal das opiniões diferentes. O respeito à diferença de pensamento é fundamental para a boa convivência e para uma mente saudável e pressupõe a visão de que todos são iguais já que todos querem ser felizes.

 

VS – Por que não devemos se comparar com outras pessoas?

A comparação me afasta da minha potência, da minha capacidade de realização de bem-estar para mim e para os outros. Posso me sentir impotente quando acredito que não sou tão capaz quanto às outras pessoas e posso me sentir prepotente, quando acho que sou melhor do que os demais. Além disso, quando me comparo, estou novamente no autocentramento e posso cair na insatisfação ou no orgulho. Quando consigo olhar para aquilo que sou e tenho sem julgamentos e me alegrar pela felicidade do outro, sinto bem-estar.

 

VS – Redes sociais correspondem à realidade?

Os usuários do Facebook procuram transmitir uma realidade de vida completamente feliz. Dores, incomodações e dificuldades não são publicados com frequência. Me parece que o propósito desse esforço é ser amado. Como se minha felicidade me tornasse alguém mais desejado, e, com isso, as pessoas pudessem me dar mais atenção e elogios. Uma amiga me contou que presenciou umas meninas tirando várias fotos dos seus sorvetes super sofisticados que derreteram quase por completo durante esse processo de fotográ-los. Acredito que as pessoas que viram essas fotos nas redes sociais não imaginaram que as meninas não desfrutaram do sorvete como as fotos davam a entender. Elas não saborearam o sorvete na sua plenitude e mais aproveitaram a suposta cena de o terem saboreado. A busca pela felicidade dessas meninas e de muitas outras pessoas conectadas às redes sociais parece que passa pelo “parecer ser feliz” para, então, “tentar ser feliz”. Fica evidente a grande confusão.

 

 

 

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