Participei dessa entrevista para a revista VivaSaude no 169, cuja matéria “Amor tem dose certa” discute sobre dependência afetiva.

VS – O amor romântico pode ser considerado um vício?

D – Sim, porque o pressuposto do amor romântico é necessitarmos da nossa “cara-metade. Se somos apenas metade, nos vemos diante de uma tremenda falta afetiva que pretende ser preenchida pelo outro. Aí estamos diante de um vício, como uma dependência afetiva que nos leva a buscar um alívio desse sofrimento de sermos apenas metade, incompletos. Não precisamos pensar muito para concluir que o amor romântico promove muitas expectativas em relação à “cara-metade” e que se constrói a partir de idealizações e fantasias de que o outro é o príncipe encantado ou a Cinderela. Por fim, faço com o que outro se torne o principal responsável pela minha felicidade porque não consigo ser feliz sozinho.

 

VS – O que é a dependência de amor?

D – “Ela é tudo para mim”, “minha vida não teria sentido sem ele”, “preciso de você”, encontramos muitas expressões como essas em letras de música, novelas e filmes. Elas são consideradas “declarações de amor”, como se o amor genuíno fosse impregnado de dependência. Essa dependência afetiva está pautada no apego, e não no amor. Confundimos apego com amor. A dpendência afetiva tem por base o apego e a crença de depender de outra pessoa para ser feliz, pois é ela que teria o poder de me fazer feliz. A pessoa com dependência afetiva se sente impotente para largar o outro, assim como uma pessoa com dependência química não abre mão da droga. Quanto mais me agarro ao outro, mais tenho medo de perdê-lo. Assim, o dependente cria o sentimento de urgência para encontrar o outro e pensa constantemente nele. Em geral, há medo e incapacidade por trás da dependência. Por exemplo, se acredito que sou incapaz de cuidar de mim mesmo, vou ter medo de ficar só e vou me apegar a alguém que possa me oferecer alguma suposta segurança.

 

VS – Quais sinais que a vida afetiva anda desequilibrada? Que a pessoa ama demais ou de uma forma pouco saudável?

D – Quando o casal vivencia mais sofrimento do que felicidade, a relação está desequilibrada. Se, ao amar, você faz a outra pessoa sofrer com frequencia ou se você próprio sofre mais do que se alegra, então você não está nutrindo o amor genuíno.

 

VS – O que seria, na prática, amar de um jeito saudável?

D – Dentre as definições de amor, para mim faz mais sentido a compreensão de que o amor genuíno é a capacidade de oferecer felicidade para o outro. As pessoas costumam procurar alguém que as faça feliz. Se os dois pensam e agem dessa forma, vão ficar presos no próprio egoísmo, nas próprias expectativas que, com certeza, não serão correspondidas em muitas situações, de modo que vão sofrer. Se você realmente gosta muito daquela pessoa, você vai desejar que ela seja feliz. E não vai só desejar. Você vai procurar conhecê-la para saber o que a deixa feliz e vai agir para torná-la feliz. O apego diz: “eu te amo, por isso quero que você me faça feliz”. E o amor genuíno diz: “eu te amo, por isso quero que você seja feliz”. Se as pessoas já se sentissem preenchidas por si mesmas, se uniriam com outra apenas para apreciar isso no outro, em vez de esperar que o outro resolvesse essa dificuldade de estar bem sozinhas.

 

VS – Quais as razões do sofrimento quando se termina uma relação? O que está em jogo ali?

D – As pessoas sofrem com o fim de uma relação porque não têm consciência plena de sua impermanência. Tudo está em constante mudança em nosso mundo, inclusive as relações. Elas têm um começo, um meio e um fim. Porém, nossa dificuldade de aceitar essa realidade faz com que nos apeguemos à relação, como se o outro fosse minha posse ou como se ele não pudesse morrer a qualquer momento. Uma professora minha compara o amor genuíno com o apreciar uma borboleta, sentado na grama de um parque. Ela pousa na sua mão e você se maravilha com esse momento. Mas se você quiser prolongar esse instante, e agarrar a borboleta na mão devido ao seu apego e egoísmo, você a mata. Amar é apreciar o momento presente, enquanto a borboleta está ali. Se para ela for melhor voar para longe, a maior prova de amor é deixá-la ir, para que ela alegre outras pessoas além de você.

 

VS – Muitos dizem: “é tão difícil encontrar a pessoa certa?” O que pensar sobre isso?

D – A “pessoa certa” não existe, é uma ilusão. Idealizar o príncipe encantado ou a Cinderela é acreditar que não tenho capacidade de me sentir bem sozinho, por isso preciso de alguém que me complete. Você pode encontrar pessoas que compartilham da sua visão de mundo, dos seus valores e dos seus gostos, e isso permite você estar mais próximo daquela pessoa. No entanto, precisa lembrar que o outro é tão imperfeito quanto você. Esperar muito do outro leva inevitavelmente ao sofrimento.

 

VS – Viver só pode fazer mal à saúde?

D – Viver só assim como viver acompanhado pode fazer mal à saúde, depende da qualidade da relação. Existem estudos que comprovam que o setor social em situação de maior risco de adoecimento mental são as mulheres casadas que têm filhos pequenos. Com o aumento da expectativa de vida, o setor dos homens de 46 a 60 anos que vivem sozinhos, sem esposa nem outro familiar, se tornou o setor de maior risco de adoecimento mental. Podemos explicar essa realidade no sentido de que os homens são providos de uma organização doméstica confortável e de uma rede de relações e afetos quando está casado. As mulheres, em geral, conseguem ter tudo isso sem a presença dos homens. Já as mulheres casadas e com filhos pequenos costumam estar sobrecarregadas por conta de uma cultura machista que não preza pela divisão mais igualitária de tarefas entre homens e mulheres.

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